Jovem casal sem-abrigo, ela grávida do seu segundo filho, está a chocar o povo português

Filipa tem 24 anos e começou a dormir na rua grávida do seu segundo filho. Filipe foi sem-abrigo pela primeira vez aos 14 anos. Uma história de amor onde só mora o desamparo
Filipa é uma rapariga bonita, de longos cabelos loiros, unhas primorosamente arranjadas. Encontramo-la no NAL – Núcleo de Apoio Local de Arroios, onde os sem-abrigo vão procurar uma refeição quente, servida pela associação CASA, em condições mais dignas do que comer na rua – ali tomam a refeição sentados à mesa, como se estivessem numa cantina.

Filipa tem 24 anos e está com Filipe, 25, o amor da sua vida. Por ele deixou o pai dos seus dois filhos – de 3 e 5 anos -, mas não encontrou abrigo nem apoio na casa da mãe. As relações nunca foram as melhores, sobretudo depois da vinda deste padrasto que a importuna. “A minha mãe fica sempre do lado dele, contra mim”, contou-nos para uma reportagem que pode ler na VISÃO que está nas bancas, onde relatamos a primeira noite na rua de seis sem-abrigo.

Deixou os filhos com o pai deles (e o mais novo entregou-o tinha ele apenas três meses) e começou, com Filipe, uma vida nova, à procura de estabilidade. Mas está longe de a alcançar. Nem todos os meses é possível alugar um quarto, nem todos as noites conseguem dormir em casa de familiares ou amigos, e nesse entretanto montam uma tenda em Telheiras, “zona fina”, como nota a rapariga.

O chão é duro, faltam-lhes mantas e almofadas, mas Filipe não deixa de se levantar às seis da manhã para começar uma jornada de trabalho. Tinha uma bicicleta emprestada, não elétrica, e com ela subia e descia as colinas da capital a entregar comida ao domicílio, através de uma dessas empresas tecnológicas que enchem as ruas da cidade. Mas já nem essa bicicleta tem.

Outras vezes ganha dinheiro entregando publicidade porta a porta. Tinha 14 anos quando resolveu sair do lar paterno e seguir um irmão mais velho, que vivia numa casa abandonada em Algés. Tinha sido retirado aos pais por ter deixado a escola (tem apenas a quarta classe), mas fugia do colégio sempre que podia e a polícia ia encontrá-lo de novo junto aos progenitores.

Filipe conhece bem as leis das ruas; Filipa diz-se uma ingénua. Pede dinheiro e vai a entrevistas de emprego, mas uma mulher sem-abrigo tem muito com que se preocupar. Primeiro porque há homens que a vendo a pedir acham que ela pode fazer qualquer coisa em troca de 10 ou 20 euros. Assediam-na permanentemente. É Filipe quem a protege. “Sozinha não seria capaz de viver na rua”, garante a rapariga.

Depois há aquelas alturas do mês, quando está menstruada, em que não havendo dinheiro para os pensos, se tornam um grande problema. Filipa corre os balneários públicos à procura de um que esteja aberto para poder tomar banho.

Filipa espanta-se por haver pessoas que mais facilmente lhe dão cigarros do que dinheiro. “Talvez pensem que é para gastar na droga”, tentamos uma explicação. “Não somos disso. O nosso único vício é o tabaco”, sublinha.

“Esta noite vai chover”, teme Filipe, a duvidar da resistência daquela tenda mini. O inverno traz problemas a dobrar para quem está na ruas. O frio e a chuva tornam-nos ainda mais desamparados, eles que o são também por dentro. Na base das histórias dos sem-abrigo estão, geralmente, os maus-tratos, a violência, o desamor e uma imensa falta de afetos no seio familiar.

Filipa e Filipe quiseram começar uma história de amor. Contra tudo e contra todos. Numa luta que se agiganta, que parece maior do que eles, mas que o casal vai levando, ainda que por vezes faltem as forças. “Um dia de cada vez”, como diz Filipa.